Um pequeno detalhe que tem escapado ao debate sobre a hipotética coligação PS-PCP-BE

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A especificidade da esquerda portuguesa em relação às suas congéneres europeias é a sua, alguns diriam atávica, composição essencialmente partidária. Existindo vários partidos de esquerda com peso e preponderância nos outros países, grande parte da acção desta área desdobra-se numa série de outros fenómenos de intervenção social e política que não se pautam pela participação eleitoral ou parlamentar.

Nos últimos anos foram vários os comentadores políticos, de vários quadrantes, que sublinharam a centralidade da esquerda institucional na manutenção da ordem pública e na contenção dos fenómenos mais radicais de dissenso político. Tal ocorre  porque as centenas de militantes dos partidos de esquerda, os milhares de simpatizantes e as centenas de milhares de eleitores que votaram nos ditos partidos aceitam, de um modo ou de outro, o contracto social que subjaz à participação nas instituições representativas que estruturam a vida política, e económica, da república.

Contrariamente à ideia veiculada nos últimos dias a participação democrática não é exercida percentualmente. O meu hipotético voto não distribui as suas centésimas partes pelos partidos que concorrem às eleições. Eu não voto 10% no Bloco de Esquerda, 8% no PCP, 32% no PS e 38% na PAF. O meu voto, ou a sua ausência, é uma posição parcial que não prevê necessariamente um equilíbrio de forças. Os “portugueses” não votaram numa continuação modesta das políticas da coligação PSD-CDS/PP, houve sim eleitores específicos a votar em partidos específicos no sentido de defender interesses específicos.

A direita que passou os últimos dias assanhada pregando em cada esquina a ilegitimidade da hipotética aliança entre o PS, o BE e o PCP deveria ponderar no que significaria politicamente uma situação onde se tornasse claro, de modo cristalino, para o milhão de pessoas que votou na “esquerda radical” que o contracto social que sustenta a sua colaboração com um determinado status quo político não vale afinal nada.

No dia em que para a esquerda – enquanto área social – se tornar claro que as regras do jogo só funcionam em seu desfavor, sendo arbitrariamente suspensas quando esta alcança uma maioria, então de pouco ou nada valerão as festas de despedida do Professor Marcelo, as tricas dos meninos rabinos da Jota ou qualquer uma das outras mil e uma tretas que todos os dias aturamos na esperança de que algum dia a coisa corra um bocado melhor. Porque nesse hipotético dia, que talvez não tarde, haverá algo que se irá tornar dolorosamente óbvio para toda esta patética direita: “É que se os meus direitos à saúde, educação, pensão e habitação não valem nada, então também os seus direitos à propriedade privada, ao lucro, à integridade física e moral deixam de valer. E nós somos mais.

[A citação é do Miguel TiagoEste foi o meu último post no L’Obeissance est Morte. Um abraço para todos os que aqui escrevem e escreveram]

8 opiniões sobre “Um pequeno detalhe que tem escapado ao debate sobre a hipotética coligação PS-PCP-BE

  1. Boa despedida, com a acutilância e a pertinência que marcaram a tua escrita nestes dois anos. Espero que continues a escrever algures para o que vier e para o resto.

      1. isto não é trabalho da esquerda!!! isto é trabalho da direita fascista, e culpam a esquerda

        aqui ninguem mostra a cara

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