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Exorcismo às autárquicas (a partir do Metro de Lisboa)

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Francisco, mentes? Minto.

Resultado de imagem para "Francisco Louçã"+"António Chora"Francisco Louçã veio a terreiro defender a trajectória de António Chora, que escolheu atacar a greve na autoeuropa ao lado da direita mais reaccionária do país, apenas acompanhado por Catarina Martins, que em nome do BE e na primeira declaração sobre o assunto, trocou a solidariedade pela apreensão. É por isso de louvar, antes de tudo, a sua honestidade. Louçã não trocou os aplausos da turba pela fogueira que António Chora e Catarina Martins decidiram saltar. Fica-lhe bem que assim proceda, até porque, se Chora e Martins erraram, erraram baseados na política da qual ele não é só simples morador, mas arquitecto, engenheiro e mestre de obras.

A coragem de Francisco Louçã, contudo, devia ser acompanhada quer pela verdade dos factos, evitando a mentira fácil ou a ignorância com dolo, quer pela seriedade de não fingir que a vida política de António Chora acabou quando saiu da autoeuropa, passando um pano sobre as razões que levaram a que o povo que outrora o aplaudia, vir agora perceber o papel pernicioso da escola sindical da qual faz parte.

“Chora criou uma tradição de democracia que não tem paralelo: não há nenhuma outra grande empresa ou sindicato que consulte sempre os trabalhadores em plenário e referendo sobre os acordos que estabelece ao negociar com o patronato. Só na AutoEuropa, e isso deve-se a Chora.” Francisco Louçã

A mentira é grosseira. Louçã afirma, sem qualquer hesitação, e parte dos seus acólitos aplaudem sem qualquer apreensão, que António Chora é o obreiro singular do sindicalismo de base, o único que fez escola a aprovar em plenários de base as orientações centrais do sindicato ou comissão de trabalhadores da qual fez parte. Como é do conhecimento público, o Sindicato dos Estivadores (entre outros que desconheça) tem essa tradição há muito, tendo o último acordo ficado à espera do respectivo debate e aprovação em plenário (também no Expresso), só sendo válido a partir desse momento. Louçã mente com dolo, porque sabe que o seu partido, depois de algumas hesitações iniciais, se decidiu pelo apoio à luta dos estivadores, e a cobertura que o seu meio de comunicação fez dos vários momentos de reportagem que revelam que o Esquerda.net (aqui, aqui, aqui e aqui), o BE e Louçã sabem bem que António Chora está longe de ter o monopólio sobre a escola do sindicalismo de base. Aliás, sabe quem estuda ou participa no movimento operário, que o garante da democracia de base não são as direcções sindicais – estas ou a respeitam e merecem o nosso aplauso, ou a atacam e merecem o nosso combate – mas sim os plenários que, independentemente de quem elegem, criam a boa prática de poder votar e questionar o que querem quando reunidos em assembleias de base, no órgão máximo da sua vida sindical.

Francisco Louçã devia por isso ter limitado a defesa de António Chora a António Chora, porque o centro do debate está aí e não nos truques para fazer de Chora um mártir do sindicalismo de combate que o próprio, em momento nenhum, reivindicou. Neste campo, privilegiemos os factos aos factos alternativos. António Chora tem uma longa tradição sindical e uma vida política cuja trajectória o levou do PCP para o BE, e que leva Louçã a dar primazia à defesa do seu camarada em prejuízo dos direitos dos trabalhadores, expressa precisamente num plenário de base que recusou o apoio negociado pela escola sindical de Chora. Aceitou, durante anos, um modelo de representação que levou tempo a ser democrático, e optou por um modelo de negociação cujo balanço é amplamente favorável à administração e aos accionistas em detrimento dos trabalhadores que Chora representava. Por isso os trabalhadores da autoeuropa, não obstante o valor do trabalho que produzem, estão entre os que menos percentagem garantem do valor criado na linha, não só em Portugal, mas também se comparados com trabalhadores que, noutros países da Europa, têm as mesmas funções. Por isso há muito que são pressionados para trabalhar aos Sábados, Domingos e Feriados, por isso têm piores condições dos seus colegas que, por razões muito parecidas, levaram a cabo uma greve vitoriosa na fábrica de Bratislava, com aumentos de salários na ordem dos 15%, e um sistema de prémio de produção e folgas que salvaguardará a paz social na empresa e um mínimo de justiça distributiva face aos esforços pedidos aos trabalhadores.

Por fim, a análise de Louçã ao sindicalismo de Chora, não podia ignorar que ele, mesmo depois de reformado e quando já não representa ninguém a não ser ele próprio, se lembrou de vir a terreiro atacar uma greve sem um único argumento a não ser o da chantagem da deslocalização, permitindo perceber que a greve que os trabalhadores votaram está cheia de razão, tão cheia que as suas razões fermentaram em cima da falta de razão de António Chora quando, no seu tempo, preferiu assinar e convencer os trabalhadores da autoeuropa a ser mais amigos dos patrões do que de si próprios.

A única defesa possível de António Chora seria a de chamar António Chora à razão. Seria a de deixar claro que a esquerda que faz falta deve olhar primeiro para as reivindicações dos de baixo ao invés das preocupações dos de cima, mesmo que em cima tenha passado a governar a geringonça.

Exorcismo ao Soviete d’Alfama (o que nos contam as paredes)

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Autárquicas no Facebook

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Os Tesourinhos deram o mote, seguiram-se o Master Tacho e o Autarqui’Daltons, e outros devem dar à rede durante o Verão para acompanhar as Autárquicas de Outubro de 2017. As próximas eleições autárquicas é para trocar a Judite de Sousa e o Rodrigues dos Santos pelas páginas da especialidade no facebook. Enquanto as televisões, as rádios e os jornais darão à estampa perfis higienizados, debates redondos e reportagens em comícios que não interessam a ninguém, as redes sociais prometem palco a outra forma de olhar para o espectáculo da democracia, denunciando os candidatos catavento, que já foram candidatos por vários partidos e movimentos, os candidatos contraditórios, que defendem algo sem qualquer sentido, ou candidatos que se candidatam a lugares de onde foram corridos pela justiça, por crimes que cometeram no exercício do cargo para o qual agora se recandidatam. Vai ser um fartote!

Contra a cientologia do RBI, ciência!

Foto de Renato Teixeira.

“Fundamentally, it would not have been mad to think that Macron himself could have presented the citizen income as part of his programme. Didn’t Grillo and the 5 Star Movement do so in Italy? From the capitalist point of view, this is purely and simply a recognition of the new technical (cognitive, cooperative) composition of the productive proletariat.”

 Ainda não escreveu sobre o resultado das eleições – o que tornará, porventura, este post injusto – mas não resisto a colocar para reflexão esta passagem (ler texto completo aqui) de Antonio Negri. Haja quem, à esquerda e no campo do RBI, reconheça que a ferramenta é o que é, sem os habituais relativismos.

Síria, um reflexo da barbárie

Abd Alkader Habak, fotógrafo e rebelde que resiste na Síria, em Idlib, Aleppo, vai ser recordado pelo desespero com que chorou a morte de uma de várias crianças carbonizadas num ataque cobarde a uma caravana que procurava sair da cidade, no âmbito do precário cessar-fogo negociado entre Assad e os rebeldes. A fotografia acima lembra a esperança que o fez ficar, mas a que deixo abaixo ficará publicada sem ceder ao pudor dos meios de comunicação convencionais, que optaram por censurar a vítima, que importa. A crueldade da imagem não nos deve fazer fechar os olhos, por mais que seja isso que acontece assim que se olha para ela. Importa que se divulgue porque ela é uma imagem espelho do abismo para a qual os senhores da guerra arrastaram a humanidade. Importa, porque não nos podemos dar ao luxo de optar por esquecer. Importa porque os crimes desta envergadura não podem ficar na escuridão. Pelas vítimas de ontem, pelas vítimas de amanhã,  travar a barbárie não pode ser só uma escolha, tem que ser uma condição que não temos o direito de declinar.

Enquanto Assad, Putin e Trump se dedicam a jogar xadrez com peões a sério, o mundo permanece cúmplice, calado. A guerra das civilizações, ultimato feito por Bush na ressaca dos atentados do 11 de Setembro de 2001, tem ganho paulatinamente terreno aos que, de baixo, procuram contrapor a guerra de classes à guerra de povos, crenças ou origem geográfica. Se olharmos para o debate sobre a Síria, facilmente se conclui que à falta de todos os elementos necessários para se perceber todas as dimensões do conflito, não se escolha a prudência como a melhor das linhas. Neste tema como outros, a gritaria serve apenas para esconder as dúvidas, truncando a capacidade de um grau de elaboração sobre o assunto com o mínimo de seriedade. No mar das dúvidas, qual náufragos, o exercício mais inteligente devia fazer-nos olhar para aquilo que temos como certo. Não havendo garantias, ficaremos seguramente mais perto da solução do que de ajudar a aumentar o problema.

Não são razões religiosas, quase nunca o são, mas razões económicas e geopolíticas que estão no centro da disputa. A espaços, muito a espaços, raros exemplos de jornalismo com coragem levantam o véu sobre a realidade, mesmo na televisão pública em Portugal ou em França. O levantamento contra Assad tem legitimidade, não obstante o antagonismo no campo dos rebeldes, e deste contar com sectores ligados ao Daesh e ao Al-Nusra (cisão da Al-Aaeda), mas tal antagonismo não nos deve conciliar com a ditadura nacional, que comanda um regime repressivo capaz de atacar o seu próprio povo para manter o poder a todo o custo.

Os que alegam que a Síria era um paraíso democrático antes do levantamento, onde Assad era amado pelo seu povo e onde a oposição era respeitada, mentem. Os que usam dos crimes de Assad para justificar os de Obama e de Trump, mentem também. Ninguém tem razão nesta guerra espúria e ambos dispõem de meios poderosos de difusão da sua propaganda.

Achar que o levantamento contra Assad é unicamente obra da CIA é uma infantilidade, tão infantil como achar que a Rússia e Assad são o único problema do território. Os EUA jogam, como jogaram sempre em todo o lado, em muitas revoluções e levantamentos legítimos e dos quais tal intervenção não foi razão para se virar costas à legitima aspiração dos povos. O jogo dos EUA deve ser denunciado, combatido, mas essa denúncia de nada serve se aquilo que tivermos para dizer é que os povos se resignem aos seus déspotas, dando-lhe apoio crítico e em alguns casos entusiástico, enquanto ele prende e liquida a parte do país que lhe é contrária.

A legitimidade de Assad como governo eleito não existe a partir do momento em que este ordenou o seu exército para reprimir o seu povo, a principal vítima dos ataques. Com meio milhão de mortos é evidente que a esmagadora das pessoas é inocente e que mesmo que todos os grupos rebeldes fossem terroristas, o número de vítimas demonstra que o alvo não foram só eles. Pela tipologia da guerra, cabe ao exército sírio e à aviação russa a assinatura sobre as maiores valas comuns, não ao armamento precário dos rebeldes. Trump e a imbecildiade da sua fúria pode vir a equilibrar as contas nesta matemática do absurdo, mas quem está do lado dos sírios não pode escolher entre o vírus da ditadura nacional e do imperialismo russo e a bactéria do imperialismo americano.

Se é evidente que o papel dos EUA é pernicioso, cavalgando um levantamento e financiando, junto com os seus aliados na região (Arábia Saudita, Israel, etc) o pior lado da moeda do campo dos rebeldes, devia ser igualmente evidente que a Rússia não está no campo anti-imperialista, e antes joga, nesse quadro, o seu papel nessa disputa. O seu interesse energético é objectivo, mas para a análise subjectiva não deixa de ser relevante a proximidade do partido de Putin aos partidos da extrema-direita que têm proliferado no centro e norte da Europa.

Com mais dados em cima da mesa é evidente que é urgente um cessar-fogo efectivo e duradouro, não a farsa que vigora e continua a matar inocentes, a definição de um roteiro para a paz e para a realização de eleições, programas de auxílio aos refugiados, enfim, medidas que serão úteis não só para travar o número de vítimas mas também para perceber o quem é quem no campo dos rebeldes. O Daesh não irá seguramente a votos e não se vislumbra melhor maneira para o seu isolamento.

Não há terroristas de primeira e de segunda e na Síria poucos serão aqueles que não têm o lugar reservado no banco dos réus. A mesa de negociações com vista ao cessar-fogo e ao roteiro para organizar eleições não pode esquecer que não haverá paz se todos os que fazem fogo não estiverem envolvidos nas negociações. É o maior paradoxo da guerra, a paz depender dos generais, e é provável que nem todos aceitem, mas a legitimidade dessa negociação depende do envolvimento do maior número de intervenientes possível.

Que o esforço de Abd Alkader Habak, como o do fotógrafo Issa Touma, que ficou para registar os primeiros dias do levantamento a partir do seu apartamento, ou o de Aeham Ahmad, o pianista das barricadas de Yarmouk, sirvam para se perceber que ambos os campos em disputa estavam e estão pouco capazes de convencer a população das suas intenções. A sobrevivência, na maioria dos casos, tornou-se o seu campo da resistência para fugir a uma vala comum que já conta meio milhão de mortos. Até quando?

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A vitória do imperialismo cultural

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Lembra a Jacobin, e muito poucos mais, que os EUA de Bush, seus aliados, cúmplices e percursores, declararam guerra ao Iraque há 14 anos. O conflito que está na origem da dramatização da situação política em todo o mundo, alargou-se a quase todos os blocos continentais e acelerou a divisão do planeta entre países pobres e ricos, países semi-soberanos sob intervenção da infraestrutura financeira, ou países ocupados sob tutela militar. Na macabra matemática da guerra somam-se quilómetros de muros, multiplicam-se trincheiras, subtraem-se vidas e divide-se a humanidade o mais que se pode para que os responsáveis do atoleiro continuem a mandar.

Se nos primeiros anos o avanço da guerra teve uma inesperada oposição popular, num movimento contra a guerra que não se imaginava possível no tempo do “fim da história”, a verdade é que hoje o movimento parece derrotado, por diferentes ordem de razão e com impacto muito além das questões relacionadas exclusivamente com as fronteiras do movimento contra a guerra. Por um lado, o campo pragmático, fez a sua experiência de governo, com exemplos tão diferentes como Lula ou Obama, Tsipras ou Chávez. Independentemente da generosidade com que se faça o balanço dessas experiências,  é inegável que os resultados do exercício do poder ficaram muito aquém das expectativas. Por outro, os campos mais radicalizados do movimento não conseguiram manter a pressão necessária para conseguir mais do que algumas vitórias pontuais em lutas concretas, quase sempre defensivas face a direitos conquistados anteriormente, e ancoradas em sectores sociais excessivamente delimitados.

Se a cruzada inicial para vingar o 11 de Setembro não ganhou o coração da opinião pública, a cartada do Estado Islâmico – ou derivados – faz hoje as delícias dos propagandistas. A esquerda que outrora ocupava as ruas para dizer que outro mundo era possível, vai paulatinamente ser apeada dos poucos sítios onde teve poder porque replicou ou agravou exactamente  o mesmo mundo que dizia combater. Entre a assimilação e a derrota, venceram os jihadistas da “guerra das civilizações”, seja na sua versão financeira, de colarinho branco e gravata aprumada, seja na sua versão militar, de farda e insígnias aos de falsa bandeira. Não sobrará esquerda à esquerda se ela não for capaz de se levantar ao menos contra a lógica da guerra infinita.