É isto: rejeitar todas as definições do conceito e prática da vanguarda e, ao mesmo tempo, reutilizá-lo como o conceito do e para a presente situação de emergência!!

ANOS 80


Mesmo quando Hal Foster, ao longo da década de 80 que o revelou, acompanhando artistas então passíveis de serem considerados críticos (isto é, autores que intentavam analisar a paisagem da era da reprodutibilidade pré-cibermundializada e suas instâncias dominadoras, através do cartaz, Guerrilla Girls, ou da fotografia, Richard Prince, nada de sofisticado, portanto), prolongando eu os citados anteriormente com Cindy Sherman, James Casebere, Matt Mullican ou Louise Lawler (uma geração muito marcada por Guy Debord), mesmo quando Foster se embrenhava nessa década em que firmou o seu nome e se movia no movediço terreno da pós-modernidade (como Fredric Jameson), buscava aí Foster, inspirado no situacionismo, no estruturalismo ou no desconstrutivismo, um criticismo progressista, ou seja, intentava colocar-se de um dos lados do mundo e barricada pós-moderna que não aceitava como amálgama.
Via então no pós-modernismo uma oportunidade de crítica social e encontrava ferramentas teóricas para recusar o dogma do “pluralismo”, antes como agora em moda e ritmo neoliberal, “pluralismo” que sempre foi um álibi para o não-pensamento e uma forma de, aliás, novo totalitarismo (unindo Foster a Marcuse e tornando este precursor de autores como Zizek ou Badiou).
Se o mundo herdado de Thatcher, Reagan e Pinochet fora insuportavelmente abjecto, havia também ao mesmo tempo que revisitar todos os dogmas de “maravilhamento” do século XX e mostrar-lhe a face oculta e inversa (escovando-o a contrapelo, diria Benjamin noutro contexto). Fê-lo Foster já num livro de maturidade sobre o surrealismo e André Breton: “Compulsive Beauty”, 1993.
SURREALISMOS
Tratou-se aí de uma notável investigação sobre a natureza psicopatológica e a deriva para a pulsão de morte no seio do movimento surrealista (algo que o seu “criador”, André Breton, sempre se encarregou de refutar, opondo, como se sabe, o amor e a liberdade “admiráveis” à “vida sórdida”, fugindo de vozes como as de Artaud e Bataille); seguidamente o ensaísta, digamos, regressa à arte actual (anos 90) e ao seu tema e produz um livro imprescindível: “The Return of the Real: The Avant-Garde at the end of the century”, saído no The MIT Press em 1996.
É um livro estruturalmente distinto, sobretudo na sua génese, mas de objectivos aproximáveis a “Recodings: Art, Spectacle, Cultural Politics”, datado de 1985, e com o qual “The Return ….” pode formar um “par” — um estará para a década de 80 como o outro para a de 90, sendo este ainda e sempre uma excelente introdução à arte dos nossos dias nas suas dinâmicas contraditórias (como em todas as épocas, mas Foster nunca temeu dilucidar este facto e estudá-lo para fazer escolhas).

VANGUARDAS
Em “Recodings ….”, Foster, então professor de História da Arte e de Literatura Comparada na Universidade de Cornell, reuniu ensaios previamente publicados entre 1982 e 1985, em “Art in America”, “New German Critique” e, inevitavelmente, “OCTOBER”, a publicação teórica de que integra o núcleo duro com Rosalind Krauss, Annette Michelson, Buchloh e Yve-Alain Bois. Nestes estudos assumiu estrategicamente a vocação e a distanciação crítica do pensamento pós-estruturalista (como Craig Owens, Douglas Crimp e Rosalind Krauss, entre muitos outros), tendo por finalidade questionar e rejeitar o retorno da representação na arte desse período e, acima de tudo, a forma como tal se processou. (Repito, a forma como tal se processou.)
Genericamente, sob o modo leviano (Kiefer é disso um exemplo) de uma associação entre o “regresso à pintura”, o “regresso à figuração” (que, num outro ensaio fulminante, Benjamin Buchloh aliaria ao regresso dos processos sociais totalitários, ligação testemunhada ao longo deste século desde o fascismo italiano ao recente “reaganismo”) e uma expansão mercantilista — caracterizadora dum pós-modernismo predominantemente conservador (moral, política e economicamente) –, antevista nos interesses das novas instituições museológicas e numa regeneração do mercado que desvalorizava a vanguarda tornando-a sinónimo de mercantilização (tema da obra de Warhol, que no entanto e cirurgicamente o tratou como “tragédia”, “luto”, contra a via celebratória de Jeff Koons ou Matthew Barney).
REPRESENTAÇÃO
Para Foster, como para Craig Owens (falecido em 1990) nesse momento, mais que recusar a narratividade histórica e a representação, interessava valorizar a análise dos processos representacionais, compreendendo o que levava à exclusão de uns e à estimulação de outros. Partindo de Theodor Adorno, Foster afirmava ser necessário, por oposição à irracionalidade do capitalismo tardio que tudo pretendia absorver e anular (homologando as chamadas “diferenças”), propor contramodelos fazendo face à depressão causada pela queda (aparente) das narrativas políticas tradicionais (concretamente, o marxismo).
No campo da crítica, em particular, constatava-se que os seus dois pilares básicos até então se encontravam esgotados. Isto é, tínhamos um criticismo, na linha do pensamento Iluminista, que separava a prática e o conhecimento em duas esferas autónomas e, por outro lado, uma actividade crítica fundada no paradigma burguês do espaço público, da “livre expressão” e da “livre iniciativa”. O desvio de Foster, nas suas renovadas teorizações e na sua prática (enquanto crítico de arte), fundou-se em premissas pertinentes. Anteviu que a crítica de estilo iluminista não conseguia libertar-se das discussões mais ou menos autistas em torno do “belo” e do “gosto”, e que o paradigma da chamada “livre iniciativa” se perfilava segundo interesses mercantilistas, legitimando (pseudo)teoricamente uma determinada “base financeira” e a “garantia da propriedade” como que para a eternidade.
O retrato desse período histórico era assim esboçado por Foster: “Presentemente (…) podemos distinguir pelo menos duas posições sobre o pós-modernismo: uma associada às políticas neoconservadoras, a outra relacionada com a teoria pós-estruturalista. Das duas, é o pós-modernismo neoconservador a mais conhecida: definido essencialmente em termos de estilo, depende do modernismo, que, reduzido à sua imagem mais formalista, é confrontado com um regresso à narrativa, ao ornamento e à figura. (…) esta posição é de reacção, mas em mais aspectos que o estilístico — também defendido é o regresso à história, à tradição humanista e o regresso ao sujeito”.
Por contraposição, o pós-modernismo denominado de pós-estruturalista, na senda das batalhas teóricas de Barthes, Foucault, Derrida ou Althusser, ia definindo a “morte do homem” (ou seja, a sua anulação como sujeito da representação e sujeito egoista da história), ou a “morte do autor”, deixando ao artista um espaço de analítica micrológica, cirúrgica, sobre as formas tradicionais de exercício do poder e da representação. Um novo conjunto de responsabilidades.
Tudo isto marcaria o livro de Hal Foster sobre o surrealismo e as vanguardas históricas. Referente à reavaliação do surrealismo, como se disse, pela via da exaltação da sua “obscuridade”. Partindo de Breton, que escreveu em “Nadja”, “La beauté sera CONVULSIVE ou ne sera pas”, Foster aparta-se do “fundador” (e da presença exclusiva do “amor admirável”), convocando pensadores como Jacques Lacan, Bataillle, Michel Leiris, Roger Caillois e, last but not least, Marcel Duchamp.
O livro legitima-se, por assim dizer, tomando as análises do presente como ponto de partida para um recuo predeterminado. Isto é, constata-se que se o minimalismo e o conceptualismo, nos anos 60 e 70, encontraram matrizes operativas em movimentos como o dadaismo e o construtivismo (sobretudo neste último), as estéticas surgidas nos anos 80 — enquanto críticas das imagens mediáticas institucionais, dotadas de uma correlativa construção das identidades, bem como de novos espaços de reclamação da sua especificidade (os movimentos gay e feministas) — encontrariam raízes num surrealismo por desvelar e quase sempre recalcado por uma falsa determinação modernista.
Num surrealismo que, apesar do seu heterossexismo (veja-se Breton), introduziu a sexualidade nas artes visuais e o inconsciente na vida quotidiana. Em conclusão, o surrealismo foi precursor do pós-modernismo através de uma peculiar contramodernidade — bastante clara no conflito que oporia André Breton a Georges Bataille.
Por seu turno, em “The Return of the Real ….”, analisando a evolução dos últimos 30 anos (de 70 a 90), Foster propõe três paradigmas interpretativos. Se, perante a natureza fenomenológica (e assexuada, como dirá Buchloh) do minimalismo e do conceptualismo a arte se apresentou como “texto” (se aceitarmos a restrição da arte conceptual a um trabalho de definição da arte por via linguística), nos anos 80, como vimos, a arte relacionar-se-ia com toda uma panóplia de simulacros, realizando a crítica desconstrutiva da representação mediática e de suas modalidades de domínio (economicamente liberais, sociologicamente morais e conservadoras ao ponto de um exercício intolerável de censura, bem conhecido e iniciado depois da morte de Mapplethorpe).
REGRESSO DO REAL
Por fim, nos anos 90, o paradigma da arte seria, para Foster, o “retorno do real”, através de uma estética do corpo embrenhada nos fenómenos sociais. Desligada desta feita da mediatização e do simulacro. Num segundo plano do seu livro, Foster revalida o conceito e o papel das vanguardas, desde as vanguardas históricas até às neovanguardas, propondo uma nova síntese dos eixos temporais dominantes na arte deste século.
Opondo-se ao filósofo Peter Bürger (o qual, no conhecido “Theorie der Avantgarde”, de 1974, negaria as potencialidades das neovanguardas dos anos 60 / 70, por considerá-las repetitivas em relação às vanguardas históricas, transformando assim a anti-arte em artisticidade e a transgressividade em institucionalização), que considerou como ainda dependente de um pensamento mítico que procura a “pureza” de um “momento original” (neste caso, as neovanguardas, fracassadas em Bürger), Hal Foster viria agora propor duas críticas essencias a este e a qualquer outro pensamento mítico-originário (que desejava uma “vanguarda pura” nunca existente): uma fundada na noção de paralaxe, outra na de acção diferida; a primeira diz-nos que a nossa construção do passado depende da nossa posição no presente, e, consequente e sucessivamente, esta é redefinida por essa construção do passado, numa mútua mutabilidade interminável. A segunda noção de Foster, estabelecida depois de Freud e Lacan, reporta-se ao facto de que um evento tem um registo traumático quando é retomado retroactivamente: ou seja, os chamados actos de ruptura ou fundacionais (para Bürger, como vimos, as vanguardas históricas), apenas são-no quando retomados numa segunda vez, ou seja, apenas podemos dizer que algo aconteceu quando acontece duas vezes.
Por exemplo, nos anos 60, Robert Morris é um dos mais importantes artistas a reler Duchamp — assim, Duchamp só é hoje Duchamp porque existiu nos anos 60 ou 70 artistas como Morris que historicizaram (termo caro a Michel Fried) o seu processo “fundacional”, catalogando semiologicamente as possibilidades do ready made. O mesmo para todos os outros artistas fundadores da modernidade, como Picasso, por exemplo, o qual quando trabalhava nas “Demoiselles d’Avignon” não poderia, no exacto instante em que a realizava, perceber (ainda que o pudesse anteve) a dimensão de um processo de historicização que cunharia essa tela como algo de fundador, porque obviamente a historicização é um deslizamento temporal de décadas e não um passe de mágica processado num instante de segundos ou breves minutos.
Por isso, para o ensaista a vanguarda é um conceito do passado (!!!) que regressa sempre a partir do futuro. Escreve, a este propósito: “Actualmente, é crucial a relação entre as transformações dos modelos críticos e os retornos das práticas históricas (…): como é que uma re-ligação com uma prática do passado se pode tornar a base de uma des-conexão de uma prática presente e / ou um desenvolvimento de uma outra, nova?”.
Concluindo, desde os anos 60 que a arte retoma determinados processos das vanguardas históricas do início do século XX (como a análise construtivista do objecto, a fotomontagem — matriz de um novo conceito de imagem –, ou a crítica museológica do “readymade”) para os seus fins contemporâneos.
DESIGN E CRIME
Para que esta revisão e reabilitação (que pode ser apenas uma necessária visita, como opera ciclicamente a história da arte) das práticas das vanguardas não fique esvaziada e sem exemplos, Foster vai seguidamente exemplificar o seu programa de trabalho (que podemos chamar de “crítico”) mostrando os serviçais e espectaculares caminhos, estruturadores do mais fanático libralismo, que tomaram duas artes ou duas disciplinas artísticas: o design e a arquitectura. Nas obras, “Design and Crime (And Other Diatribes)” (2002) e “The Art-Architecture Complex” (2011). Analisemos atentamente o primeiro destes trabalhos.
Em “Design and Crime”, Foster começa por um tema que nos remete para o universo acutilante e impiedoso de Karl Kraus (um dos protagonistas de “Design and Crime”). Pensemos nesta questão à maneira de Kraus: qual é a causa do amolecimento cerebral contemporâneo, e a quem serve? Foster, peremptório: é a transformação da ética de vida (Nietzsche, Foucault) num mero décor ; é o design global: aí cada indivíduo é, ao mesmo tempo, “designer” e “designed”. A manipulação pelo design é total: da casa (design de decoração) ao rosto (cirurgia plástica), da personalidade (drugs design) ao DNA (children design), de um candidato presidencial ganhador à Young British Art (nos livros-objectos de Bruce Mau, por exemplo), passando pela memória histórica (museum design), à arquitectura-espectáculo de Frank Gehry (“this designer of metallic museums and curvy halls”) e à teoria-espectáculo de Rem Koolhaas (ver Caps. 3 e 4). Neste sentido nem é preciso ser-se muito rico para se aceder ao mundo do design global e à transformação da cultura comercial numa nova fonte de “status”: tudo é acessível já na província, desde a marca Sacks à revista “The New Yorker”, e ninguém precisa de ir a Manhattan (comentando aqui Foster as ideias de um crítico desse magazine, John Seabrook no livro “The Culture of Marketing, The Marketing of Culture”).
Hoje não é toda a cultura de massas que sai vencedora, é sobretudo o abaixamento do género “criança de elite”. Este “apenas” é muito: é a vulgarização do “valor médio” (que não é mais distintivo: para os defensores de uma cultura sem hierarquia [“nobrow culture”] já não há mais intelectuais) obrigado a concorrer com tudo o resto na megastore, esse lugar mítico onde qualquer coisa se vende até mesmo a fantasia de que as divisões de classe já foram suspensas. É um mundo de “qualidades sem pessoas” (que Foster citará com Robert Musil) que se abre.
Em “Design and Crime” (título do Capítulo 2 e do livro), Foster é certeiro: o nosso fim de século XX foi similar ao fim do anterior, quando o “Art Nouveau” pretendia-exigia aplicar a tudo o mesmo motivo floral – da arquitectura aos cinzeiros, tratando objectos como mini-sujeitos. Os cegos de hoje são os que não querem perceber como é que essse “estilo” rapidamente passou de obsoleto a Camp e Kitsch, e que é essa menoridade que preside ao nosso descomprometido (cultural e politicamente) total design, ao “Style 2000” e à estética do “poor little rich man” do “dot.capitalismo”.
Para esta análise, Foster toma como referência o conhecido texto de Adolf Loos, “Ornamento e Crime”, de 1908, para que percebamos como é que os objectos constroem a individualidade e identidade dos seus proprietários. Loos atacava um certo tipo de comprador de “Art Nouveau” que pretendia que “se colocasse arte em cada detalhe de um objecto”; vale a pena ler de novo Adolf Loos, aqui recordado: “Cada sala formava uma sinfonia de cores, completa nela mesma. Paredes, cobertura de paredes, mobiliário e todos os materiais eram concebidos para se harmonizarem da maneira mais artística possível. Cada artigo de cada membro da família tinha de ter na casa o seu lugar específico e integrar-se na mais maravilhosa das combinações. O arquitecto não se podia esquecer de nada, absolutamente nada. Cinzeiros, cutelaria, interruptores – tudo, tudo era feito por ele”; para que a “individualidade do proprietário se manifestasse em cada ornamento, em cada forma, em cada prego”. Tarefa que é hoje cumprida pelo chamado “objecto de design”. Para o designer “Art Nouveau” esta perfeição – pensar a conjugação do movimento de uma abóbada com a cor de um prego – era a máxima completude.
Do “Art Nouveau” à Bauhaus, das teses sobre a indústria cultural de Adorno à sociedade do espectáculo de Guy Debord, dos anos 20 da rádio, cinema e da reprodução — que Debord tomou como início da sociedade do espectáculo –, da era da imagem no pós-guerra (dissecada por Andy Warhol) ao “dot.capitalismo” do momento, Hal Foster analisa um tempo em que a economia pós-fordista de produção de bens ligada a mercados demarcados (“constantly niched”) gerou uma total desregulação do capitalismo: agora, design, marketing e espectáculo substituem-se à produção. E não apenas se substituem à produção: são a única produção existente (que já não distingue objectos e ideologias).
Creio que podemos ver nesta denúncia do total design e da sua penetração em todas as esferas da vida social e artística, a continuação de algo que nos anos 80 ocupou Foster: a crítica do pluralismo, essa disfarçada preparação para a aceitação da arte-mercadoria, da arquitectura e teoria-espectáculo. Um dos ensaios de “Recodings” (1985) intitulava-se “Against pluralism”. Aí denunciava-se o pluralismo como posição-alibi, ao mesmo tempo um esvaziamento das argumentações e a preservação do status quo político, do gosto e da crítica, indefinidamente. Em suma, este “Design and Crime” é importante pelo seu diagnóstico, abrindo o que eu vejo como uma quarta via no pensamento do autor.
Vejamos outras vias mencionáveis na trajectória de Foster (e o actual “Bad New Days: Art, Criticism, Emergency”, 2015, retrospectiva tudo isso): 1) a defesa (em “Recodings” nos anos 80) de um pós-modernismo pós-estruturalista por oposição a um pós-modernismo conservador, este ligado ao estilo, à narrativa operática, ao ornamento e às políticas de Reagan e Theatcher. 2) a ligação entre um “retorno do real” e um “retorno do medium”. Se entendermos por medium um simples “corpo” (humano, fotográfico, pictórico, etc), valerá a pena relembrar uma entrevista (com Ruben Gallo), onde Foster faz autocrítica: “A arte contemporânea afastou-se do modo de ver o mundo da minha geração de artistas e críticos, no qual, para o dizer cruamente, tudo parecia ser uma imagem, um efeito de representação. A noção baudrillardiana de simulacro impregnou muito do trabalho dessa época. Mas a geração posterior, a que está hoje activa, tem uma ideia diferente do real. “O retorno do corpo” é um cliché, mas, como alguns outros clichés, tem em si alguma verdade. O corpo reafirmou a sua pretensão de que não pode ser elidido pela representação, de que não desaparecerá no ciberespaço”. 3) por fim, relacionado com o tópico anterior, Hal Foster, embora não como Harold Bloom, vai considerar que uma obra conseguida do presente desenvolve aspectos pertinentes de uma obra do passado. Sem referências causais, pois as relações de Foster trabalham uma releitura do conceito de vanguarda, complexificado e reversível.
Uma alusão final ao importante Capítulo 7 deste “Design and Crime”, “Art Critics in Extremis”, uma reflexão sobre a critica de arte americana desde o pós-guerra à actualidade. Recordando Clement Greenberg, as relações complexas entre este e Michael Fried, Rosalind Krauss, Barbara Rose, Harold Rosenberg ou Annette Michelson, Foster vai concluir que não há boa crítica sem conflitualidade dramática – algo que é estranho a um tempo, o nosso tempo, em que nesta espécie de luto do chamado “formalismo greenberguiano” se gera a larga passada para o domínio dos dealers e “comissários a-críticos”. Daí que a actual expansão seja antes uma contracção, nas palavras de Theodor Adorno, oportunamente recordadas por Hal Foster.
Secundando e seguindo estes pontos de vista, a arquitectura, hoje po mais eficaz instrumento de “identidade” das “big corporations”. Tem a ser um mero enfeite da nova ordem mundial social-espectacular.
Segundo Foster existe hoje uma arte-arquitectura “connection” que é fruto de interacções, nos últimos 50 anos, raramente movidos por motivações estéticas. Ora esta arte-arquitectura “connection” destina-se ao retrato de governos e “big corporations” que, deste modo, adquirem a sua identidade e identificação num mundo global de negócios planetários. Para Foster, justamente, é sempre de negócios que se trata mesmo quando esta “connection” entra no domínio da cultura, ou melhor, no mundo das indústrias do entretenimento entretecido com a cultura, onde até as cidades operárias são destinos chiques de turismo cultural.
Neste livro, a ideia de Foster é a de que arquitectos como Zaha Hadid, Diller Scofidio ou Jacques Herzog viram-se para a arte com uma visão “artisticista” para precisamente reanimarem a arquitectura e seu vocabulário, aparentemente exausto depois da querela modermo/pós-moderno. Esta “artisticidade” segue-se à arquitectura da geração de Richard Rodgers e Norman Foster, ou Renzo Piano, que reeditaram o international style de Gropius e Mies van der Rohe nos sue tópicos: pragmatismo, utopia e ideologia. O design foi buscar vocabulário ao minimalismo (Judd) e a arquitectura à arte: por exemplo, Hadid ao construtivismo russo, Scofidio ao conceptualismo e ao feminismo, etc. São arquitectos dotados, sim, mas de uma habilidade imagística contra tópicos como os de “programa”, “função” e “estrutura”. Assim, a arquitectura é hoje imagem-evento, edifício-escultura e performativa.
EMERGÊNCIA
Ora depois desta desmitificação do design e da arquitectura, que hoje vivem do cadáver de Gropius, por exemplo, assim colocadas num eixo “globalização-big corporations-Dubai-Zaha Hadid” (e atenção que as pinturas desta autora são pouco mais do que miseráveis, apesar da sua arquitectura servir muito bem os seus propósitos ideológicos como Speer servia Hitler), Foster, nestes desastrados dias em que vivemos, “regressa” à vanguarda (por si totalmente redefinida e sem clichés), propondo-nos o seguinte: a vanguarda não é uma ruptura nem a instituição de uma nova ordem. Cabe-lhe antes abrir fracturas já existentes na ordem presente e aprofundá-las.
Como? (E logo por aqui se percebe que Foster conhece, na raiz e na utopia, os caminhos das vanguardas desde os inícios:) na sequência do “arquivismo” fotográfico de Rodchenko, das fotomontagens de John Heartfield e das colagens de Hannah Höch, Foster vê hoje o mesmo impulso arquivístico em obras como as de Hirschhorn, Joachim Koestler, Bartana, Jeremy Deller, Stan Douglas ou no Otolith Group.
Vejamos de perto este tema do “arquivo”. Como nos relembre Derrida (“Mal d’Archive”), etimologicamente, o arquivo leva-nos à origem e ainda à possibilidade de seleccionar (exercer poder, portanto), movido por uma pulsão de morte (o “arconte” guarda e selecciona, temos também o “arquivo morto”, e o fracasso de tudo conseguir guardar e abarcar são inerentes ao arquivo). Isto significa que os temas da origem, selecção, classificação e pulsão de morte, são inerentes à arte actual. Isso é testemunhado em obras de Tacita Dean ou, de novo, Thomas Hirschhorn, este com os seus “monumentos” dedicados a Deleuze, Ingeborg Bachman ou Bataille, que são uma infinita revitalização da história e do pensamento (e sempre no espaço público). Tacita Dean, em “Bubble House” ou “Sound Mirrors” busca um passado quase perdido e irrecuperável que nos faz pensar no presente e, claro, nos dias próximos. Exactamente como nos livros de Sebald, somos “fantasmas de repetição” num mundo devastado.
E, paradoxal ou estranhamente, um dos grandes méritos destas obras reside no facto de nos “avisarem” de que a memória pouco ou nada pode fazer por nós. Estamos sempre em solidão e, desorientados, temos de agir e movermo-nos. Movermo-nos neste “junke-space” do capitalismo.
Bem alicerçado (Capítulo V) no trabalho de pensadores como Bruno Latour, Rancière ou Giorgio Agamben, Hal Foster, inteligentemente, vai-nos dando as suas próprias respostas.

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