Category Archives: Uncategorized

A cloaca demente

O pânico social decorrente da pandemia é provavelmente mais preocupante que a peste que o alimenta. Não quero com isto diminuir o impacto daquilo que parece tratar-se de uma evidente calamidade global. Mas esta nova peste prepara-se para semear uma crise mais profunda que a que temos ultimamente sentido nos vários domínios da sociedade. Se considerarmos separadamente alguns aspectos da vida e os respectivos contextos sociais, de que forma serão afectados pela situação atípica que viemos a arte e a política? 

O osso do tempo implicará novas exigências, é certo. Mas decorrente desta espécie de guerra bio-política (contra quê e contra quem?) que se instalou na esperança de uma vida asséptica, limpa e idealmente descolorida, temperada de todas as inauditas e insuportáveis tolerâncias que temos vindo a deduzir da parcimoniosa vida que nos é dada a viver que outro monstro verdadeiramente  implacável germina sob o pesar do tempo? 

A singularidade da distância é um imperativo que se justifica perante o facto do contacto físico ser fonte de contaminação. Congemina-se sobre a hipótese do outro se encontrar infectado ao nosso lado na fila do super-mercado. A excepção é, assim, transformada em prática normativa: o controlo, a vigilância, o fastamento, a cor da pele, a forma de como e a quem se reza, o corte do cabelo, o desenho dos olhos. A aceitação plausível do espírito drone actua perante a necessidade de uma vigilância prescrita por decreto. A realidade ultrapassou-se a si mesma. O risco de infecção afecta aqueles que de uma forma ou de outra se deixarem contaminar pela experiência social do isolamento, pela ignorância, pela inteligência de um vírus que se transformou na palavra que até aqui alimentava apenas as redes sociais: o vírus tornou-se efectivamente viral. 

Este vírus é o fim do tempo da aceleração, mas é ainda um vírus deste tempo. Será por isso urgente reflectir não na direcção do afastamento que a guerra da psicologia clínica quererá certamente impôr. Mas noutro sentido, o de reduzir o efeito do desejo e da nossa permanência sobre o supérfluo. A água deverá correr livremente das fontes.

No limiar da ficção cientifica estão lançados os condimentos de um novo tempo social em que o controlo se transformará na prática da supressão da liberdade individual como facto aceitável. Ao olho pineal, destinado a olhar e adorar o sol, acrescenta-se-lhe uma nova funcionalidade, a do controlo do território individual. 

Até quando não te poderei tocar? Até onde o estado de excepção é um ensaio politicamente aceite perante a evidência do contágio e do contacto? Simbolicamente, que significa este novo tempo social que implica na forma da separação a linguagem da segurança e do controlo? Que implicação efectiva sofrerá a arte relativamente ao contágio ou à falta dele? Segundo a cartilha do contágio, a arte, a política e a industrialização não sendo a mesma coisa vivem há muito de e através de uma espécie de contaminação mútua. A seiva deste processo resulta nem sempre em aspectos socais pacíficos. As novas armas de que falava Deleuze são os produtos da interferência tecnológica – a razão estiolou-se sobre si mesma. Este tempo é simultaneamente o tempo da cloaca e do dejecto.

Turismo no cume do mundo

O Everest, fotografado na passada Terça-feira passada por N. Purja

Colóquio

Homenagem a Kenneth White, com a sua presença

Anfiteatro III, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa 

21-22 Maio 2019

A língua filosófica e a língua poética podem falar a partir da Terra sem estabelecerem aí morada fixa. Formuladas a partir dela, formaram variantes e entrelaçamentos da linguagem em movimento, uma língua que percorre a terra e aí vai deixando rastos e alguns sulcos. Mas se formos verificar o modo como foi integrado e cultivado esse verbo planetário, a sua transmissão, a sua retórica, o modelo arquitectónico do seu desenvolvimento e o seu arquivo, encontraremos, frequentemente no caso da filosofia, mas a que a literatura não é estranha, categorias e formas que confundem o discurso sobre o mundo e as vozes que podem ser escutadas por intermédio do mundo. Tudo isto fixa a nossa ideia deste e vem pesar à Terra. 

A língua que passa pelo mundo, traçando nele linhas, é uma língua aberta à polifonia que aí ecoa. É atravessada pela polifonia dos elementos que se movem incessantemente. A polifonia das expressões de milhares de culturas humanas. E a polifonia dos inúmeros seres que vivem connosco. Todas essas vozes – que chegaram a participar da língua aqui evocada – entraram hoje em tumulto enquanto outras foram silenciadas definitivamente. É aquilo a que os humanos chamam o Antropoceno, a Era em que o homem põe fim à diversidade das expressões do mundo teorizando ao mesmo tempo a sua própria supremacia. 

Este encontro é também uma homenagem ao poeta, escritor e pensador Kenneth White, criador da Geopoética, propondo um exercício de escuta e expressão em comum com uma variante possível desta língua, a Geofilosofia. Nem o filósofo está liberto do que de poético lhe trazem as vozes intratáveis da Terra, nem o poeta se encontra dispensado dos saberes inteligíveis ou da reflexão epistémica que o seu ofício contém.

Programa

21 Maio

14:30 – Abertura

15:00 – 16:30 

Paulo Borges – O Tempo do Sonho. Poesia Cósmica e Metamorfose nas Culturas Indígenas

Paula Morais – Yoga e os mitos da presença: a dança, a escuta, a transformação

Pedro Cuiça, “Do (a)vistar ao ser (a) Montanha: uma forma de (geo)poética”.

16:30 – 16:45 – Coffee break

16.45 – 17:00 – Apresentação do nº 6 da revista Flauta de Luz, que inclui um dossier «Kenneth White», pelo editor, Júlio Henriques. 

17:00 – 17:30 – Jorge Leandro Rosa – «Não com a língua, mas com a vida».Acontecimento e grito.

17:30 – 19:00 – Kenneth White (conferência / keynote lecture) – The Rediscovery of the World / A Redescoberta do Mundo

19:00 – 20:00 – «Eternal Forest» (filme, 40 min.) – apresentação e leitura de poemas pela cineasta e artista Evgenia Emets,

22 Maio

15:00 – 16:30 

Maria José Varandas – A Tragédia dos Comuns e o Último Homem.

Felipe Milanez – Título a anunciar 

Ilda Castro – “Animalia Vegetalia Mineralia: conexões e movimentos” : uma reflexão sobre os sistemas humanos e os sistemas mais-que-humanos, macro e micro, na Natureza e no Antropoceno_Capitaloceno.

16:30 – 16:45 – Coffee break

16:45 – 17:45 

Alexandra Pinto – Um olhar cinematográfico sobre o Antropoceno

Isabel Alves – My First Summer in the Sierra e The living Mountain: as  linhas e as vozes da montanha. A demanda de uma geopoética da esperança.

18:00 – 19:30 – “Sur les chemins du Nord profond” (52 m) – Filme realizado por François Reichenbach e apresentado por Kenneth White, argumentista e protagonista. De Tokyo a Hokkaïdo, Kenneth White no percurso traçado por Matsuo Basho.

Debate.

Film screening presented by Kenneth White, script writer and protagonist. From Tokyo to Hokkaïdo, Kenneth White on the path drawn by Matsuo Basho.

Debate.

19:30 – Closing session

23 Maio

18:00 – Encontro com Kenneth White na Nouvelle Librairie Française

Pequeno guia sobre como desmontar um ilustre político (no caso, o Ministro dos Assuntos Exteriores espanhol)

TAPAS PIZZAS SALADAS HAMBURGUER HOT-DOG SANDWICHES WINE

Snack Bar na freguesia do Pinhão (concelho de Alijó), na margem do rio Douro

A especulação turístico-comercial do Douro vai de vento em popa. Um álbum de fotos – aqui acessível – da autoria de Gonçalo Mota transporta-nos à diversidade de consumos que aí tem lugar. E exemplifica de modo brilhante um dos mecanismos essenciais do turismo: o de tornar complementar, no âmbito de pacotes vendáveis, toda a sua oferta. É só quando se transforma em produto turístico que aquilo que é singular e único – uma igreja, uma garrafa de vinho, um menir – se torna equivalente. Mas este milagre unificador do turismo, que elimina dos seus roteiros a disparidade e a diferença, não contribui para a paz e o entendimento entre os povos. Porque, para incluir os recursos locais em roteiros estandardizados globais, ele expropria as populações residentes desses seus recursos. É por este motivo que o inocente e ingénuo turista transporta consigo uma declaração de guerra às comunidades de todo o planeta.

Ver álbum completo

 

A Banca ao Serviço do Povo

A Banca ao Serviço do Povo. Política e Economia durante o PREC (1974-75), de Ricardo Noronha

O livro integral, em pdf gratuito, AQUI!

Incrível não, maravilhoso! Enquanto a civilização capitalista constrói o paraíso na Terra, a temperatura do planeta não pára de aumentar, mais de 95% da população mundial está exposta à poluição atmosférica e 82% da riqueza mundial está nas mãos de 1% da população. Melhor só num conto de fadas.