“Cauda” remete-nos para uma visão metafórica ou enfabulada da realidade: O cão que abana a cauda, obediente e subalterno face ao dono; o apêndice ou a periferia da Europa. Portugal e a sociedade portuguesa são representados deste modo em extensos domínios do saber, sem despertar qualquer contestação. Trata-se de uma ideia amplamente cultivada e arraigada nas nossas identidades. A nossa viagem na civilização e na modernidade teria assim naufragado e dado à costa. Ou à cauda. Ora, uma sociologia que se insurja contra a dominação deve estender a sua agenda, e combater uma subalternização discursiva que reifique um dado estado da auto-estima social e cultural do que significa nascer, viver ou passar por Portugal.
All posts by Sofia Lai Amândio
Raiar
sopro de especiarias
eflúvio do teu corpo
peso da gravidade
no sombreado da carne
valva da alva vultosa
veios de cores mescladas
corpos de plasticina e ossos
acordes do sono
no descolar das pálpebras
mergulho num lago infinito
verde, água e mel
reluzem no lençol
sedas, veludos e tufos
sinais do elã
precipício do dia
Sopa de letras
sôfrega sopa
sem bálsamo nem vento
escorre na torrente do esófago
queimando as letras
corpo ácido
não te dilucido
sorvo-te tremendo
óleo hirsuto
primo as letras
titubo na sopa, e
aborto o corpo recôndito
massa seca no armário
disléxica, amarela e híspida
asfixia no plástico
memórias e um prato frio
Viagens de uma Vulva sem Cabeça
#Courbet_Parte_I
O pudor fez do pipi de Courbet o mais desejado do século XIX. Sem precedentes na história da arte, o pincel colocou-o no centro da tela, desprezando elementos apartados. Foi nomeado L’Origine du Monde (1866).
De felpudo porte, o pipi resultou de uma encomenda feita por Khalil-Bey, diplomata turco otomano que ansiava deter um nu de talhe cru, para juntar à sua coleção de janelas lascivas. Apesar da sua ousadia, trajou-o numa cortina, e escondeu-o no seu apartamento de Paris. Mas Khalil-Bey foi apenas o primeiro de vários falos sedentos. O pipi foi mais tarde adquirido por um antiquário, e silenciado por detrás de uma outra tela de Courbet. Já no século XX, passou pelas mãos de Émile Vial, cientista e colecionador de arte japonesa. Na primeira década de 1900, um barão e colecionador húngaro, de nome François de Hatvany, levou-o para Budapeste, onde foi usurpado pelo Exército Vermelho, durante a II Guerra Mundial. Mais tarde, o pipi foi retido na casa de campo de Jacques Lacan e após a morte do psicanalista, passou a ser propriedade do Estado francês. Lasso da longa viagem, chega em 1995 ao Musée d’Orsay onde é exposto publicamente, e cospe sobre os olhares mais castos.