“MUDAR DE VIDA, José Mario Branco, vida e obra”, um retrato fiel assinado por Pedro Fidalgo e Nelson Guerreiro

“Qual é o preço da esperança? (…) Acordai! Acordai homens que dormis a embalar a dor dos silêncios vis. Vinde do clamor das almas viris arrancar a flor que dorme na raiz. Estamos de punhos fechados mas temos as mãos nos bolsos. Então? Mudar de vida! Mudar de vida para precaver a morte. Mudar de vida para poder romper o cordão da sorte.” José Mário Branco

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Não escrevo nem falo sobre o José Mário Branco desde que os nossos caminhos se afastaram, depois de um caminho de quatro projectos onde estivemos juntos (BE, Ardinas da Mentira, Mudar de Vida e Passa Palavra), com diferentes graus de proximidade e de afinidade. O afastamento, como todos, não foi fácil, sobretudo porque nunca lhe perdi o respeito.

Rompo este silêncio não para recuperar nenhum debate nem para fazer a história arqueológica das cisões – de resto ela está feita por todos os que fizeram esse caminho – mas para divulgar e elogiar o trabalho do Pedro Fidalgo e do Nelson Guerreiro sobre a vida e obra do José Mário Branco. Ao contrário de outros trabalhos do género (além deste gostei apenas da filme biográfico do Tiago Cravidão sobre o Eduardo Gageiro) o documentário é um retrato fiel da vida e da obra do José Mário Branco. Com o fio do tempo como o fio da história, o Pedro e o Nelson conduzem-nos pela vida do José Mário Branco como se esta fosse um livro de retratos, onde as imagens nunca são abandonadas pela música, “a sua amante”, como gosta de lhe chamar. Não é um trabalho isento de críticas – não acredito na obra perfeita – pelo que além dos elogios não posso deixar de dizer que eram dispensável tantos minutos (seria preciso algum?) com a análise de Nuno Pacheco e não levaria para a tela alguns momentos de maior intimidade do autor nos seus recantos (seja em casa seja no camarim).

As raízes, que medraram na dureza da vida dos pescadores de Matosinhos, os anos da juventude, onde se aborda a passagem da tradição católica para o Partido Comunista, o tempo do exílio e dos anos de Paris, e a oportunidade de se conhecer a realidade das centenas de milhares que por ali resistiam, à sua maneira, ao fascismo, até ao regresso e à jornada de luta que teve inicio com o 25 de Abril, nada é deixado ao acaso e tudo é bem ilustrado quer pelo relato do próprio quer por um trabalho muito sério de pesquisa das imagens possíveis, das histórias improváveis e, naturalmente, dos sons que lhe deram sentido.

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O documentário não se fica por aqui. Depois da eforia dos anos do PREC, do trabalho efervescente do GAC (Grupo de Acção Cultural) e da Comuna, as histórias são contadas inteiras sem esconder o que correu mal em cada uma delas. À imagem do desassombro do José Mário Branco, tão terno a abraçar como brutal a seguir caminho, o roteiro do filme não deixa de lado aquilo que normalmente é deixado na gaveta na hora de se fazer esta ou aquela apologia. Por isso mesmo o roteiro musical e o político andam de braço dado e não poderia ser de outra forma. Assim foi a vida assim fica na obra. Depois do entusiasmo, os anos difíceis da contra revolução. O degredo ao qual foram votados os músicos portugueses, sobretudo os mais comprometidos, e a luta que levaram a cabo para vencer a noite e voltar ao dia é um momento que ficará marcado não só na vida do José Mário Branco como em toda a geração de músicos de intervenção.

A história não acaba sem mostrar os tempos modernos e a forma como o José Mário Branco sobreviveu aos difíceis anos 80. As lições do “Resistir é Vencer”, o movimento contra a guerra, os novos movimentos políticos e sociais que floresceram em Portugal depois do deserto do cavaquismo, são também um passaporte para que se conheça a reconciliação do músico com o fado, a sua sintonia com o rap e o hip-hop que se faz nos subterrâneos das luzes da ribalta e, naturalmente metáfora para algo que, mesmo nos dias e nos momentos de maior cepticismo nunca se deixasse de ouvir o grito de revolta e o chamado à resistência ao qual vamos sempre associar a vida e a obra do José Mário Branco. Este trabalho é assim uma justa homenagem ao seu legado e deve ser visto por todos os que se interessam, não só pelo José Mário Branco, como pela história que, sabendo ou não, levamos no dorso.
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Em Portugal o filme pode voltar a ser visto no dia 8 de Dezembro, no festival luso-brasileiro de Santa Maria da Feira. Na página de facebook do filme acompanha outras projecções. 

7 opiniões sobre ““MUDAR DE VIDA, José Mario Branco, vida e obra”, um retrato fiel assinado por Pedro Fidalgo e Nelson Guerreiro

  1. Parabéns pelo texto. Gostaria de saber se sabe qual é a página do Mudar de Vida, e qual foi o trabalho do Zé quer nesse trabalho, no Passa Palavra e no Ardinas da Mentira. E onde é que se pode encontrar mais trabalhos dele, para além das músicas que andam pelo youtube… Abraço.

    1. Não sei se ele ainda colabora com o Passa Palavra, mas com o Mudar de Vida não. Em todo o caso são estes os links:

      http://passapalavra.info/
      http://www.jornalmudardevida.net/

      Nos Ardinas da Mentira é dele o texto do prefácio, que de resto serve de mote para a necessidade de se avançar para um jornal popular, seja na rede seja em papel. Acabou por ser uma primeira experiência de outras que se seguiram, com momentos muito interessantes de norte a sul do país, e também na Galiza. Não ganhou raízes muito profundas mas guardo com muito carinho os primeiros passos desse projecto.

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