Representações femininas no Facebook

 ou

O putedo como método “emancipatório” da mulher ‘moderna’

(um post para a Leonor Guerra… e para quem haveria de ser?)

A emancipação pelo putedo é uma das novidades mais generalizadas da mulher moderna ocidental. De algumas mulheres modernas, Leonor, claro que sim. De algumas…

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Descobrimos no Facebook, melhor do que em qualquer outro lugar, a escolha feita livremente por uma massa informe de mulheres modernas para se representarem publicamente como putasE eis que uma velha arte se converte em modelo emancipatório: o putedo.

Cara leitora, leu muito bem:

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O PUTEDO!

Estas mulheres deixaram de discutir a sua emancipação porque se sentem de facto emancipadas: livres, donas do seu nariz e, fundamentalmente, das suas mamas que mostram sempre que lhes apetece . Repetem, provocadoras: “Faço o que me apetece! E depois?”. 

No Facebook representam-se, de modo emancipado e livre, como autênticos BRINQUEDOS SEXUAIS.

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Que é aliás a mesma representação que delas faz a publicidade e a indústria musical.

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As revistas da “emancipação” feminina ajudam à cristalização do modelo.

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Estas mulheres emancipadas com aspas vêem-se e querem ser vistas abertamente como putas:

  • porque pretendem ser valorizadas em função de um poder de sedução que se reduz à manipulação de uma linguagem sexual;
  • porque se tornam presas sexuais fáceis de homens que se encontram num estádio muito avançado de animalização e que por isso possuem escasso critério de escolha;
  • para quem a sensualidade (e o próprio corpo) é uma mercadoria barata, standardizada de acordo com os padrões do mercado, que por isso não requer um trabalho, um investimento por aí além.

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A animalidade em que o capitalismo converte a espécie humana explica esta redução das representações femininas ao modelo doravante dominante da puta. As próximas imagens, tiradas ao acaso do Facebook, ilustram esta cristalização do novo modelo dominante:

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O Facebook converteu-se no grande prostíbulo da putaria global. Quem quer putear sem ser na berma da estrada é para lá que se dirige.

(E, no meio disto, Banguecoque, com os seus outrora vibrantes ‘go-go bars’, virou uma aldeia pequena e pacata na nova geografia da oferta sexual.)

About PDuarte

Historiador, jardineiro, horticultor. Vive na província. No tempo vago, que procura multiplicar de dia para dia, perde-se em viagens, algumas pelos montes em redor, outras pelos livros que sempre o acompanham. Prefere o vinho à blogosfera, a blogosfera ao Parlamento.

22 opiniões sobre “Representações femininas no Facebook

  1. A pornografia, via EUA, assim como a conduta das estrelas pop norte-americanas, tornaram-se os modelos globais de feminilidade, como todas as consequências para uma sexualidade integrada nas demais dimensões das relações pessoais, nomeadamente a verdade, o respeito, a tolerância, o companheirismo, a fidelidade, o projecto, a partilha. O que eu vejo em muitos sítios, mas sobretudo nas escolas, é exibicionismo feminino egocêntrico mas também o correlativo olhar masculino para as raparigas como se elas fossem algo de que se desfruta e se troca a bel-prazer. Mas também é aquilo que acompanha essa alucinação sexual, da parte dos rapazes e das raparigas: egoísmo, vaidade, inveja, intolerância, marginalização, traição, mentira, vingança, agressão verbal e agressão física. Causas, não as conheço bem, embora suspeite do individualismo geral que a evolução social nos trouxe mais do que nunca, suprimindo certos preconceitos para nos deixar, sem dúvida, uma maior liberdade de escolha mas à custa de um ruído narcisista entre as pessoas. Solução? Enquanto a festa durar, ninguém se queixa.

  2. Quando vejo o debate que surgiu após este texto pergunto-me: Mas já não se pode ser de esquerda e ser contra o casamento homossexual por exemplo? Não se pode ser de esquerda e ser contra a cultura do corpo, chamem-lhe de estilo putedo ou outro? contra a efeminização do homem, que hoje é quase obrigado a depilar-se e qq dia a maquilhar-se? Aliás, não era contra isto que as feministas lutaram durante décadas? e para isto? para o triunfo do estilo “casa dos segredos”? já reparou que hoje uma menina menos bonita já não pode ser cantora quando as divas da música de antigamente tinham até todas formas mais ou avantajadas?
    Ser de esquerda, mais do que ser arco-íris, é ser por uma sociedade onde as ideias valham mais que a imagem bonita ou larocas de um corpo semi-nú.
    Já estou como o meu Avô. Quando uma mulher mostra tudo (ou um homem) é porque pouco mais tem para oferecer.
    Abr

    1. Caro V.,

      deixe as mulheres mostrarem tudo à sua vontade. (Não é bela a loucura dos carnavais brasileiros, com elas e eles todos despidos? Na verdade, a nudez fascina-me como poucas outras coisas – enfim, antes de homem sou mamífero… você não?)

      A questão que neste post levanto está principalmente na hegemonia que um gesto, isento de toda a crítica, hoje alcançou: a auto-representação feminina estritamente de acordo com um modelo onde o corpo não se manipula imageticamente senão pelo manuseamento de uma ‘linguagem’ sexual estereotipada, universalmente copiada e reproduzida. A hegemonia deste gesto é hoje tal que, para certos cérebros, se torna difícil de perspectivar tal gesto criticamente, sequer de analisá-lo.

      Quanto ao ser ou não de esquerda, acho que podemos deixar essa discussão para blogs homologados. Eles adoram-na. Nós por cá dispensamo-la.

      Vá aparecendo pela tasca. É mal frequentada, o vinho é reles mas, à falta de melhor, bebe-se. (Às vezes dá ressaca…)

  3. Vivemos a dominância persistente de uma cultura machista que continua a tentar conformar a estética – se não a atitude – feminina em função do agradar aos homens – assim como estética masculina ao papel de domínio que ainda lhes é reservado, com ou sem todos os metrosexuais e demais “feminizações” do homem, que só pecam por tardias.
    Sim, existe uma cultura do corpo, preconceituosa e discriminatória, gerada em primeiro lugar pela sociedade de consumo capitalista e pela persistência dessa cultura machista.
    Coisa bem diferente é a liberdade de cada pessoa usar o seu corpo – e a sua sexualidade – como bem entende. Podemos criticar a cultura do corpo, mas não devemos julgar as pessoas em si. Assim como eu critico a instituição casamento e a homonormatividade, mas não o modelo relacional – que pode ser esse – q cada pessoa escolheu p si. Sobretudo, porque não sei melhor do que os outros o que pode fazê-los felizes, e eu quero que toda a gente seja o mais feliz possível. Também é ser de esquerda. O que não é muito de esquerda é o moralismo. A liberdade sexual – relativa, infelizmente, sob o capitalismo – é uma conquista, e inclui a liberdade de dispor do corpo, da imagem própria, da capacidade e liberdade de auto-sexualização. Todos nos auto-sexualizamos, quanto mais não seja na sedução ou na cama. Ou ser putéfia como eu não é problema desde que seja em recato? Isso já é hipocrisia. A putice está na cabeça de quem julga as pessoas pela aparência ou pela quantidade de pele exposta ou ainda por uma auto-erotização que mais não é do que liberdade, ou ainda porque vê como negativa a putice, a disponibilidade sexual, até a exposição física pública. Isso é moralismo. Lembraram-me há pouco que antes se dizia “Quando uma mulher mostra tudo (vá, acrescentemos “ou o homem”) é porque pouco mais tem para oferecer.” Eu que tenho tanto, tanto para oferecer, com este post – e aquele em que são os meninos que desfilam – só fico mesmo com vontade de ir ali ao facebook expor a minha magreza (não anda mto erótica, que a crise não permite alimentar-me da mesma maneira) com o meu melhor ar de puta fina e o rabo à mostra (que ainda se vai aproveitando), mesmo, mesmo só porque pelos vistos ainda há quem utiliza de forma tão negativa termos como putice, promiscuidade e por aí adiante. Deixem as pessoas ser felizes como são pá, que a vida é curta. E não sejam agentes da repressão sexual confundindo a cultura do corpo e a liberdade sobre o corpo e a sua exposição, que isso não é de esquerda.

    1. Obrigado pela partilha destas reflexões´, Sérgio.

      Ao ler este seu comentário, fico com dúvidas se entendeu plenamente o meu ponto de vista. Não sei se isto ajuda a esclarecer: https://obeissancemorte.wordpress.com/2013/11/19/quando-a-critica-a-dominacao-masculina-esbarra-na-firewall-do-fascismo-neoliberal/ ? Aqui, respondo também a uma formulação que o próprio Sérgio usa no seu comentário e que me parece central na reprodução do pensamento neoliberal: a apologia da “liberdade de cada pessoa usar o seu corpo – e a sua sexualidade – como bem entende.”

      Admito que não concorde, mas vá aparecendo na tasca para mais bate-papos.

      Saudações.

  4. Vim ter a este texto a propósito de um outro, do Sérgio Vitorino, convencida que de alguma forma seria um texto sobre a «questão» da prostituição e o debate em torno da sua profissionalização.

    Contudo, deparei-me com laivos de displicência a tratar um assunto que mais do que a imagética do feminino é a utilização e a imagética do ser humano enquanto tal. As fotos mais ou menos sexualizadas não têm justificação biológica mas económica, no meu entender.

    Em nada se diferencia a suposta liberdade sexual no facebook de um anúncio no correio da manhã – no capitalismo tudo se vende, mesmo as pessoas. São mercadorias.

    Creio que o texto, que poderia ser uma reflexão bem interessante e fundamentada (que acabou por sê-lo somente por via dos comentários) perdeu pela vulgaridade dos termos e a ridicularização e apoucamento de um tema que pouco tem de pouco.

    Estas não são as representações femininas de quem defende a profissionalização da prostituição (que não é o meu caso) pelo simples facto de quem a defende (e sublinho que a meu ver é só mais um raciocínio impregnado pelos conceitos do capital que em nada defende a emancipação humana) fá-lo na convicção da defesa da auto-determinação sexual, o que implica, sempre, respeito pelo ser humano que se defende (do seu conceito de respeito) e não da exposição de um tema tão sério através da menorização intelectual e humana de quem afirma estas ideias.

    No fundo, este post faz um grande serviço ao que diz combater.

    1. Lúcia, muito obrigado pelos seus comentários. Abusei da badalhoquice, claro que abusei… Quanto à observação de que o meu texto “perdeu pela vulgaridade dos termos e a ridicularização e apoucamento de um tema”, é muito provável. Quanto ao resto, entendemo-nos neste ponto: “Em nada se diferencia a suposta liberdade sexual no facebook de um anúncio no correio da manhã”.

      Volte sempre, de preferência com essa indignação contagiante!

  5. Parece-me que é um desafio imenso para as mulheres se construirem enquanto sujeito, quando são doutrinadas desde que nascem – por diversos meios – a serem objeto. Creio que o que identifica como uma cultura de excessiva – ou obsessiva – exposição sexualizada resulta de uma internalização de processos de dominação. Quando se cresce a acreditar que se é objeto, o caminho rumo ao sujeito é difícil.
    Admito, no entanto, o meu desconforto com o recurso à palavra putedo/puta – porque a mesma reduz as mulheres uma lógica dicotómica que não me parece ter sido a intenção do autor.

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