‘Management’ turístico, um exercício político em ascensão

Dois centros interpretativos e um espaço de acolhimento de turistas vão ‘nascer’ em Évora para a cidade funcionar como ‘placa giratória’ de visitantes na região, fruto de um projecto da Comunidade Intermunicipal do Alentejo Central (CIMAC), noticia o Público. Segundo a presidente da CIMAC, e prosseguindo a leitura da mesma notícia, a ideia é que a capital de distrito, Évora, tenha a função de “placa giratória do tráfego de turistas”, permitindo direccionar os visitantes “não só para a oferta turística cultural da cidade mas também para todos os concelhos vizinhos”. A ideia é da representante da CIMAC, Hortênsia Menino, autarca comunista de Montemor-o-Novo; o sublinhado, meu.

É desde logo evidente que o turista, que os administradores do território “direccionam” para onde bem entendem, nada é senão um consumidor; e que, por isso, todo o seu tempo disponível é tempo de consumo, contribuindo para a valorização do capital. Que seja uma autarca comunista a dar-nos uma lição sobre management turístico, assumindo um exercício tão genuinamente capitalista, nada tem de invulgar nos tempos que correm, uma vez que já nenhum autarca, seja ele de esquerda ou de direita, desempenha de outro modo as suas funções – o gestionarismo capitalista tornou-se a base de toda a política “realista”; e um autarca comunista não é menos “realista” do que um social democrata.

A preocupação que esta abordagem economicista, instrumentalizadora e utilitarista manifesta é como tornar mais produtivos os turistas. Como incrementar os seus consumos. Como tornar produtivo cada minuto de um passeio turístico. Não se trata portanto aqui de estimular os residentes à partilha de um mundo de experiências e vivências (uma cultura) com quem os visita, mas tão somente de tornar mais acessíveis ao consumo turístico um vasto conjunto de produtos culturais complementares (tours, patrimónios, artesanatos, refeições, dormidas…) que assim contribuem para “animar a economia local e regional”. Não se trata pois de transmitir uma cultura viva a forasteiros, mas antes de vender-lhes uma cultura inerte, congelada, caricatural, que sucumbiu à necessidade “realista” de se tornar facilmente vendável.

Neste sentido, a pragmática autarca comunista, preocupada com as questões da racionalização e eficiência do tráfego turístico, está em plena sintonia com a APECATE (Associação Portuguesa de Empresas de Animação Turística e Eventos), que terá brevemente o seu quinto congresso também em Évora, dedicado ao tema “do turismo cultural analisado na perspectiva económica”. Este congresso terá como oradores, entre muitos outros, representantes do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, do Parlamento Europeu, da Parques de Sintra Monte da Lua S. A., da Confederação do Turismo Português, o presidente da Câmara Municipal de Mafra, a Secretária de Estado do Turismo ou o Presidente da Entidade Regional do Alentejo.

O turismo tem em Portugal este dom cada vez mais vulgar de unir numa frente comum (A) quem supostamente defende o território público em nome das populações locais com (B) quem usa o território público como um meio privilegiado para investimentos privados. Trata-se, no fundo, de mais um caso de estudo revelador de que a política, no seu estádio neoliberal, se reduz a um exercício de management entre o capital e as populações.

Fotos de PDuarte, Évora, 2016

About PDuarte

Historiador, jardineiro, horticultor. Vive na província. No tempo vago, que procura multiplicar de dia para dia, perde-se em viagens, algumas pelos montes em redor, outras pelos livros que sempre o acompanham. Prefere o vinho à blogosfera, a blogosfera ao Parlamento.

5 opiniões sobre “‘Management’ turístico, um exercício político em ascensão

    1. Caro Voza, não me parece muito lógico, se quisermos esboçar um verdadeiro exercício de crítica social, responsabilizarmos cada consumidor, individualmente, por esta horrível sociedade do consumo em que vivemos. Como bem sabemos, praticamente cada indivíduo está hoje sujeito a milhares de impactos publicitários diários (no jornal, na net, na tv, na estrada, no supermercado, na farmácia…) que o tornam um ávido consumidor, logo também um potencial turista. Não nos viremos pois tanto contra cada turista visto isoladamente – esse consumidor de territórios expressamente modelados/recodificados para o consumo -, mas essencialmente contra quem (investidores, políticos, etc), num processo coordenado, concertado, planificado e calculado, estrutura o território para que nele tudo se torne uma mercadoria turística. Enfim – e se me permite -, ora aí está uma interessante discussão que transcende amplamente este urgente debate sobre a questão turística: devemos criticar e atacar um determinado sistema social/cultural/político (A) tendo como alvo cada indivíduo que, isoladamente, reproduz através das suas práticas mais triviais esse sistema ou (B) tendo por alvo quem fabrica, rentabiliza e gere o quadro (que, no caso do turismo, é o território) em que ocorrem essas práticas?

      1. Escrevi pouco, porque gosto pouco de escrever! E como o tema é “turismo/turistas” dirigi a afirmação para a área em debate.

        Não devemos nem criticar nem atacar, simplesmente porque isso não MUDA o sistema que está muito bem estruturado e ainda melhor gerido pelas seculares Famílias donas do circo!

        O que faço no “meu” espaço virtual é apenas partilhar informação que não está facilmente acessível. Deixo lá registado a minha observação sobre o sistema, e nada mais. Se isto levar à MUDANÇA dos indivíduos, que depois de pensarem sobre o que lá leram, tomam a decisão de MUDAR (radicalmente), então que seja!

        Mas as enormes MANADAS de escravos modernos boçais não estão para aí virados!

        Foram excelentemente condicionados para trabalharem, consumirem e cumprirem as REGRAS e NORMAS e ORDENS do sistema em vigor, e as excepções de nada servem para MUDAR o sistema!

        Resumindo… deveria ter escrito: “Já não suporto ver e ouvir animais humanos…”!

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