NÃO COLOCO ENTRE MIM E O (DESEJADO) ORGASMO NENHUM “PLANO VERTICAL” DE IDEOLOGIA – Sobre o significado das imagens femininas do Facebook, eros, pornografia e outras imagens e padrões

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“Minha” – Corpo e imagem que me pertencem. Shyla Stylez, em foto, imagem e acto.

Quando escrevi em cima, numa das ilustrações das fotos que elegi de um corpo que elegi de uma mulher e actriz (ou performer) que elegi, quando escrevi que ela era a “MINHA” Shyla Stylez propus-me realizar a seguinte tarefa ou o seguinte post: reivindicar a possibilidade de um instante de solidão, eventualmente heterossexista, onde, na floresta da mercadoria, eu pudesse (o que tenho por certo) desmercantilizar aquele corpo (entre muitos outros na selva que ele/ela habita) e colocá-lo no meu espaço de desejo, enfim NUM ESPAÇO DE DESEJO, desfetichizado (ou seja, um espaço e uma tarefa – o desejo – que posso consumar ou quero consumar com aquele corpo, QUE NÃO É  SÓ UMA IMAGEM), ou seja ainda, trabalhar na possibilidade de ir (-me) além da “máquina desejante” que aquela imagem me permite (não ser). Pelo menos não só creio nisso, como o realizo, ainda que no post. E não estou certo de que esta minha reivindicação ilustre um acto de “dominação masculina”.

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Como diria Georges Didi-Huberman, que é um “recuperador” e um “redentor” de imagens conhecido, aquela imagem de Stylez é uma IMAGEM APESAR DE TUDO. Aqui, o APESAR DE TUDO diz-me que aquela imagem existe e que, em termos pulsionais livres, não creio que um projecto político revolucionário passe por uma recusa das imagens APESAR DE TUDO, nem por uma sua ecologia (ideia inicial de Susan Sontag que ela posteriormente “corrigiu” criticando-a).

Reivindico e defendo, diferentemente do Menor, do Renato ou do PDuarte portanto, que o meu ESPAÇO ERÓTICO necessita de trabalhar com determinadas imagens-fetiche – e aqui digo ERÓTICO no sentido em que o erotismo “é a manifestação da vida até mesmo na morte” (tal como Bataille inicia o seu famoso livro sobre o assunto), ou seja, o erotismo goza (mesmo que na abusiva PUBLICIDADE ou AUTO-PUBLICIDADE, Facebook, por ex.) ou faz-nos gozar de uma certa forma de imortalidade – há determinadas imagens-fetiche, dizia eu (que são livres, uma vez que não se ligam à reprodução da espécie), que eu reclamo (ainda que secretamente) e que me dizem, como o título do post, que entre mim e o erótico nada de ideológico, crítico, moral, filosófico, religioso, artístico ou científico se pode interpor.

Entre o (meu) espaço erótico e a (minha) fantasia irreprimível ou consumação orgástica nada se interpõe porque não pode, uma vez que eu escolho as suas formas e modos, e porque o corpo e a mulher com que ilustro este post não é uma invenção da dominação (ele, o corpo de Stylez, não é virtual, pode ser uma “representação autorizada e eleita” pelo império da mercadoria, mas isso não me vem à mente quando o olho), portanto, não sendo uma invenção e mesmo integrando uma indústria (da pub, do sexo, do homem produtor de sentido Versus a mulher portadora de sentido, indústria do erotismo e da porno), este corpo é por mim eleito numa total liberdade, comum: a mim e ao corpo da actriz/performer.

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É um corpo eleito. E é eleito como num contexto de várias dominações?

Ora, da mesmíssima maneira como a Capela Sistina é uma “representação autorizada e eleita” pelo império da mercadoria sob a forma da agressiva “indústria cultural”, e eu a posso nas minhas faculdade livres elegê-la como o lugar central da História da Arte! Dir-se-á, posso eleger para o meu espaço erótico as mamas das meninas do Facebook – por via da dominação masculina, porque sou homem? E a Capela Sistina, filtrada pela “indústria cultural”, por que o faço? Porque sou homem? Não faz muito sentido. Há algo nisto para além da dominação masculina.

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E poderia prosseguir com o Nietzsche da Genealogia da Moral, não exactamente no sentido da valorização da fálica nobreza guerreira, mas porque me interesa neste texto a exaltação dos “valores naturais” ligada à transvalorização de todos os valores, da moral à religião, da arte à filosofia, etc.

Agradeço imenso o comentário de Pedro Mota no post do PDuarte, que desencadeou esta polémica, agradeço-lhe o facto de ter na sua tese uma sistematizada bateria de valores que se opõem entre um grupo “positivo” e um grupo “negativo”, ou entre um contexto de “positividade” de valores humanistas e uma rejeitada inumanidade. Assim, do lado da “positividade” teríamos: uma sexualidade integrada nas várias dimensões das relações pessoais, pressupondo a verdade, o respeito, a tolerância, o companheirismo, a fidelidade, o projecto e  a partilha. Do lado da “negatividade”, formam-se claramente ou surgem claramente o exibicionismo feminino e o olhar masculino, dominante e concupiscente, ligado a uma bateria de anti-valores como o egoísmo, vaidade, inveja, intolerância, marginalização, traição, mentira, vingança, agressão verbal e agressão física.

E eu estou certo de que este maniqueísmo moralista, apesar de simpático, que é também destacado pelo Renato, não corresponde a um desejado processo de revolução, transformação ou emancipação política, social e sexual.

Quando Alain Badiou liga, e muito bem, o “niilismo activo” (o conceito da revolução política e da Revolução Cultural chinesa) à “paixão do real”, ele está a questionar-nos: qual é a tua crítica do mundo existente? O que nos ofereces de novo (além dos “bons valores”)? O que é que criaste?

Num plano revolucionário que quero ligado ao niilismo activo eu não reconheço nada disto valorativamente, nem positiva nem negativamente: uma sexualidade integrada nas várias dimensões das relações pessoais, a verdade, o respeito, a tolerância, o companheirismo, a fidelidade, o projecto, a partilha, o exibicionismo feminino para o olhar masculino, o egoísmo, a vaidade, a inveja, a intolerância, a marginalização, traição, mentira, vingança, agressão verbal e agressão física. Aquando da transformação de uma sociedade são significantes vazios. Na transformação, tudo se tem de inventar. Deixa de haver, simplificando, “positivo” e “negativo”.

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Ora, ainda que a algum do criticismo aqui produzido no blogue à publicidade feminina-erótica do Facebook acerte no tema da dominação masculina, é preciso ver que a dominação, como Nietzsche também nos diz, supõe uma superação, e essa superação faz com que o olhar fetichizado tenha de dar lugar a uma vontade de envolvimento sensual e sexual (físico, logo para lá da representação) com aquelas mulheres (dominadas??).

A atracção sexual por aquelas mulheres ou aquelas poses (e corpos) não nos coloca, não me coloca, na equação EU = EU, mas antes numa outra, na equação EU = TU, pois, como diria Badiou, o amor (ou mesmo o eros esteticizado) supõe a irrupção do inédito (uma orgástica atracção indiscernível e indizível) não no seio do UM mas no seio do DOIS (onde estou Eu e Outro, ou Eu e Outra); paralelamente, a irrupção do inédito na política (a revolução) efectiva-se na comunidade.

Então, nesta atracção e fascínio erótico pela imagem “para consumo masculino” (como se costuma dizer) não há um EU = EU, mas antes um EU = TU, e uma explosão imprevisível semelhante à revolução sucedida (quando sucede) numa comunidade.

Entretanto, um dos muitos “saberes” que aprendi com Cioran foi a inexistência (como em Nietzsche) de “valores positivos”, até mesmo o da SAÚDE (!!) – logo, mesmo que se veja nesta profusão de fotos na net ou no Facebook de mulheres que “erradamente” trabalham a sua emancipação por entre uma uma “enfermidade” mercantil, é certo que essa “enfermidade” nos pode abrir para outras realidades. Diz-nos Cioran que todas as doenças, mesmo as sociais, nos podem levar para outras paragens e segredos metafísicos. Assim este EROS.

Por exemplo, em Debord, o “espectáculo” não é coincidente com o abuso da “dominação masculina” patente nos corpos femininos do Face ou da pub, ou da “indústria para adultos” (Debord usava os mesmos corpos nos seus filmes), o “espectáculo” não é o “abuso do mundo da visão” (através da sedução eventualmente alienante), nem é a profusão de imagens (destas imagens), o “espectáculo” é uma visão do mundo objectificada.

Ora, se eu desmercantilizar o corpo de Stylez e de outras mulheres, se eu o desobjectificar desejando-o, se o desfetichizar eu estou a combater a sua espectacularização, não no universo do UM (Eu), mas do Dois (Eu e Outra).

Terminaria com Agamben e Bataille para sentidos/significações diferentes, convergindo.

(E PIERRE KLOSSOWSKI, PICASSO e HANS BELLMER.)

Giorgio Agamben sobre a nudez: “é precisamente este desencantamento da beleza na nudez, esta sublime e miserável exibição da aparência para além de todo o mistério e toda a significação, a desarmar de certo modo o dispositivo teológico apara deixar ver (…) o simples e inaparente corpo humano”. Mas nas mulheres do Facebook, reconheço, há “significação”, elas são, como disse, portadoras de sentido para os produtores masculinos. Mas, nem aqui estes têm vantagem: como diz Bataille, passivo (mulher) e activo (homem, eventualmente dominante) fundem-se e dissolvem-se. Nenhum se sobrepõe, em lugar nenhum, em circunstância alguma. Por isso é que as perversões dominadoras de Picasso, Klossowski ou Hans Bellmer são imperdíveis:

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12 opiniões sobre “NÃO COLOCO ENTRE MIM E O (DESEJADO) ORGASMO NENHUM “PLANO VERTICAL” DE IDEOLOGIA – Sobre o significado das imagens femininas do Facebook, eros, pornografia e outras imagens e padrões

  1. És como um Juvenal dentro de um Epicuro, na transfiguração do banal,
    Ó arlequim-titã, ó semideus-gavroche, nesse lábio mordente esse sorriso eterno.
    Faz frio como a ponta aguda de uma espada; o teu génio Voltaire, é como o Sol do Inverno,
    Dá muitíssima luz, mas não aquece nada.
    Falta ainda o bom do FaceBro”o”kback Mountain o canibalismo homenageante e os serões do convento, é que a teoria da participação tem por corolário a reminiscência.

    1. e no entanto…
      Gozar, sem medo á vida eterna,Toda esta bella patuscada, Desde a luxuria mais moderna, Á gula mais civilisada, E ao terminar tão bom fadario, Morrer, ouvindo alguns latins, Com treze kilos de calcareo, Onze na alma, e dois nos rins;

  2. Eilá! Que texto professor! Estou quase convencido de que não devemos ter problemas de consciência no desfrute de “Mercadoria”. Persistem, no entanto, duas dúvida. Porque não devemos colocar entre nós e o desejado orgasmo nenhum plano vertical de ideologia, e ao contrário, sobre todas as outras “Mercadorias” o devemos fazer? Eu tendo a concordar, daí ter escrito que sobre o assunto eu próprio me assumo como mercadoria, mas não colocar planos será equivalente a achar que não existe um plano ideológico a determinar o que nos dá tesão? E consequentemente nos molda para darmos tesão aos outros?

    1. Exactamente Menor, nunca devemos ter problemas de consciência no desfrute da nossa mercadoria, porque a nossa tarefa é exactamente a de libertá-la: seja uma mulher, produzida para “explodir” ou não, um homem, por exemplo como Velazquez (estou a brincar e a sério), uma obra musical, um prato de condimento excessivo, uma cidade como Veneza (as hordas de turistas que são quase os seus únicos habitantes, de certo modo, nada me incomodam), repito a Shyla Stylez…………….. Tudo foi sujeito à mercantilização e o Louvre é um produto mercantil da indústria cultural. Como eu não sou um ser passivo e “morto”, vou lá e resgato tudo isso, sempre que posso. A “Gioconda” tem entre mim e ela dezenas de turistas a todo o momento. Por isso não a rejeito, não a golpeio, entre mim e ela não há barreiras ideológicas. Quanto há outra questão: o nosso tesão é moldado pela ideologia? Talvez, mas isso é desde Lascaux, não?

      1. Caríssimo Vidal, a tipa já teve melhores dias! Há muitas e outras muitas que cumpririam esse preciso papel com perfeito zelo mas com outra elaborada expressividade. Mas a imagem compreende-se, perfeitamente, como a sobre exposição de alguma vulgaridade, e a vulgaridade, assim como o vazio, é sempre necessária para que um tipo se possa reencontrar e relocalizar no mundo, sendo por lá querer ou não querer estar!! Contudo, como dizia, a ninfa loira com as grandes tetas já enjoa um bocado e, por isso mesmo, já não cumpre perfeitamente aquele papel!!
        Mas há mais e muito mais, como o meu caríssimo Vidal deixa revelar, mas também como, subtilmente, subtrai.
        O nosso tesão é moldado pela ideologia? O Tolstoi, já velho, ia a todas, pelo que dizem!! O meu tesão tem algum critério! É comedido e constrange-se!! Por vezes queda-se consternado!! Outras vezes alheia-se de todo e qualquer entendimento e divaga por entre todas as tipas boas que se lhe cruzam! Há dias!! Aparentemente inclino-me para um desajuste mas que lhe resisto ou, pelo menos, tento resistir-lhe! Confesso-me impotente ante a beleza que este meu tempo produz! Cedo às formas femininas que se exaltam como o pináculo de toda a beleza, toda a estética e toda a ética!! Mas que ainda me lanço em contrição!! A mim me confesso!! Que dizer então, caríssimo Vidal!?

      2. Menor, o relativismo mercantil é um dos nossos alvos evidentemente. Mas a industrialização da imagem feminina, como esta ou outras muitas outras fêmeas (e esta tipa é performer e quer ser uma fêmea para o acto, sem dúvida – e eu aceito-a humildemente), é muito semelhante à industrialização dos produtos do espírito, vulgo “arte”. Eros é eros e está muito bem acompanhado e descrito por Bataille. A industrialização de Eros é outra coisa. A obra de arte mais reproduzida de todos os tempos é a “Última Ceia” do pobre Leonardo, mas eu quando a contemplo e estudo, não estou certo de o fazer influenciado pela indústria cultural. E também não estou certo de que o facto de a representação do corpo estar no cimo das prioridades das academias artísticas não seja já uma antevisão, quer da indústria cultural, quer da indústria do sexo. O capitalismo é astuto. É certo que o corpo (masculino e feminino) provém do ideal clássico de beleza, da Grécia que o cristianismo, na sua variante católica, adoptou (e ergueu a um outro tipo de pináculo) e que outras culturas reprimiram – no judaísmo (na sua versão mais divulgada, pois julgo que o Templo tinha imagens) ou no islamismo o corpo reduz-se ou desaparece numa padronização geométrica. Mas por algum arazão nele insiste o capitalismo, e nós vivemos nessa ambovalência. Conhecemos a ideologia, a crítica, mas não podemos fugir dos corpos. Podemos sublimar, mas não creio que o consigamos por muito tempo…..

      3. O que é interessante, caro Justiniano, é que o Bataille tinha uma lucidez impressionante: dizia ele que o trabalho retirava a exuberância sexual. Poderia acrescentar, o erotismo, o tesão, avontade de possuir. É espantoso, mas, na minha formação (e também leccionei há uns anos disciplinas afins) quase todos os dias desenhava modelo vivo (feminino e masculino). Fiquemo-nos pelo heteroxessismo, como se costuma dizer. O trabalho metódico perante um belíssimo corpo anulava-o por completo. Nem uma gota de tesão, o corpo entrava por nós, por mim, representava-o e o frio era total e absoluto. E nada disto era por razões éticas ou ideológicas, nem estéticas. O Tolstói ia a todas, mas depois confessava-se. A sua “Confissão” é um livro desesperado, quer assassinar o prazer, não pode, quer ter fé, não pode, etc. Agostinho também sofreu mas, como “poeta”, talvez tenha sofrido menos. Seja como for, a resistência ao desajuste não a creio nem ideológica, nem ética nem estética. É possível, mas não lhe sei dar nome.

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